sábado, 21 de novembro de 2009

Maslow e as pessoas auto-realizadoras

Para entender melhor a teoria de Abraham Maslow, leia primeiro A Hierarquia de Necessidades de Maslow.

Os quatro níveis na parte de baixo da Pirâmide de Necessidades são os D-Needs(Deficit Needs). Ou seja, se você tem falta em algum desses níveis, você sente a necessidade, e procura supri-la. Mas se você tiver tudo que precisa, o que você sente? Nada?! É isso mesmo! Ou seja, essas necessidades deixam de ser motivadoras. É estranho pensar dessa forma, mas se você supriu todas as necessidades fisiológicas, de segurança, de amor e de estima, então você não sente mais falta de nada! Qual então a motivação para continuar se desenvolvendo?

É por isso que o último nível é um pouco diferente. Maslow usou uma variedade de termos para se referir a este nível. Ele o chamou de B-Needs (Being Needs, ou Necessidades de Ser), ou ainda “motivação para o crescimento”, ou ainda “auto-realização”. As pessoas que atingem esse nível foram chamadas por Maslow de “auto-realizadoras”.

As necessidades desse nível não se referem à busca de equilíbrio ou homeostase. Uma vez que essas necessidades são acionadas, elas continuam a ser sentidas indefinidamente, e não há como atendê-las plenamente. É como se elas se tornassem mais fortes quanto mais você tenta alimentá-las. Elas se referem ao contínuo desejo de desenvolver potencialidades, de “ser tudo que você pode ser”. Elas o impelem a se tornar o mais completo “você” que só você pode ser. Daí o termo auto-realização.

As pessoas auto-realizadoras

Vamos pensar um pouco na teoria até este ponto. Se você quer ser realmente uma pessoa auto-realizadora, você precisa suprir suas necessidades inferiores, pelo menos até certo nível. Isso faz sentido: se você tem fome, você vai se virar para conseguir comida; se você não se sente seguro, estará constantemente em alerta; se você está isolado e sem amor, você vai tentar satisfazer essa necessidade; se você tem uma baixa auto-estima, vai se tornar defensivo ou tentar compensar de alguma forma. Ou seja, quando suas necessidades inferiores não são satisfeitas, você não consegue se dedicar totalmente ao desenvolvimento de seus potenciais.

Não é surpresa, portanto, com o mundo difícil em que vivemos hoje, que apenas uma pequena porcentagem da população mundial seja, verdadeira e predominantemente, auto-realizadora. Maslow em certo ponto sugeriu que apenas 2% da humanidade são pessoas auto-realizadoras.

Surge então a questão: o que exatamente Maslow chama de auto-realização? Para responder a isso, precisamos dar uma olhada nas pessoas que ele chamava de auto-realizadoras. Felizmente, Maslow fez isso para nós, usando um método qualitativo denominado análise biográfica.

Pra começar, ele selecionou um grupo de pessoas. Algumas eram figuras históricas, outras eram pessoas que ele conhecia. As pessoas escolhidas eram aquelas que Maslow sentia que se encaixavam no padrão de auto-realização. Nesse grupo estavam Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, Albert Einstein, Eleanor Roosevelt, Jane Adams, William James, Albert Schweitzer, Benedict Spinoza, Aldous Huxley, e mais 12 pessoas cujos nomes foram mantidos em segredo e que estavam vivas na época em que Maslow conduziu a pesquisa. Ele então estudou suas biografias e escritos, e os atos e palavras daquelas que ele conhecia pessoalmente. A partir dessas fontes, Maslow criou uma lista de qualidades que pareciam características dessas pessoas, em oposição à grande maioria de pobres mortais como nós.

Essas pessoas eram “centradas na realidade” (reality-centered), o que significa que elas conseguiam distinguir o que é falso e enganoso do que é real e genuíno. Elas eram “centradas em problemas” (problem-centered), o que quer dizer que elas tratavam as dificuldades da vida como problemas que precisavam de soluções, não como frustrações pessoais com as quais devessem se irritar e se conformar. Elas tinham uma percepção diferente de meios e fins. Elas sentiam que os fins não necessariamente justificavam os meios, mas que os meios poderiam ser fins em si mesmos e que os meios – a jornada – eram, com muita frequência, mais importantes que os fins.

Os auto-realizadores também têm um modo diferente de se relacionar com os outros. Primeiramente, eles apreciam a solidão e se sentem confortáveis em estar sozinhos. E eles apreciam relações pessoais profundas com alguns poucos amigos próximos e membros da família, mais do que relações superficiais com muitas pessoas.

Eles apreciam a autonomia, uma relativa independência das necessidades físicas e sociais. E eles resistem à aculturação, ou seja, não são suscetíveis à pressão social de serem “bem ajustados” ou de se adequarem ao padrão – eles são, na verdade, inconformados, no melhor dos sentidos.

Eles têm um senso de humor não hostil - preferem fazer piada de si próprios, ou da condição humana, e nunca fazem humor às custas de alguém. Eles têm uma qualidade que Maslow chamou de aceitação de si-mesmo e dos outros, que significa que eles são mais propensos a aceitar você como você é do que tentar mudá-lo para o modo como eles acham que você deveria ser. Essa mesmo aceitação aplica-se às atitudes deles em relação a si mesmos: se alguma característica pessoal não é prejudicial, eles a aceitam, até mesmo apreciando-a como uma peculiaridade pessoal. Por outro lado, eles são fortemente motivados a mudar características negativas de si próprios que podem ser mudadas. Paralelamente a essa aceitação, possuem espontaneidade e simplicidade: eles preferem ser eles mesmos a serem pretensiosos ou artificiais.

Além disso, eles tinham um senso de humildade e respeito para com os outros – algo que Maslow também chamou de “valores democráticos” – significando que eles eram abertos à diversidade dos indivíduos e à diversidade étnica, considerando-as inclusive um tesouro da humanidade. Eles tinham uma qualidade que Maslow chamou “human kinship“, termo que denota um sentimento de fraternidade para com a raça humana. Significa interesse social, compaixão, humanidade. Essa qualidade era acompanhada de um forte senso ético, que tinha uma conotação espiritual, mas raramente ligado a religiões convencionais.

E essas pessoas tinham uma habilidade de ver as coisas, até mesmo as coisas comuns, com admiração. Em paralelo a isso há a capacidade de serem criativas, inventivas e originais.

E finalmente, essas pessoas tendiam a ter mais experiências culminantes (peak experiences) do que as pessoas comuns. Uma experiência culminante é um momento em que você é tirado de si mesmo, que faz você se sentir minúsculo, ou muito grande, em certa medida sentir-se um com a vida, ou com a natureza, ou com Deus. Dá a sensação de ser parte do infinito e do eterno. Essas experiências tendem a deixar marcas profundas na vida da pessoa, mudá-la para melhor, e muitas pessoas procuram essa experiência ativamente. São também chamadas de experiências místicas, e são conhecidas em muitas tradições religiosas e filosóficas.

Maslow obviamente não declara que os auto-realizadores são perfeitos. Há muitas falhas ou imperfeições que ele descobriu ao longo de suas pesquisas. Em primeiro lugar, essas pessoas frequentemente sofrem de considerável ansiedade e culpa – culpa e ansiedade realistas, e não as versões neuróticas. Alguns deles estavam sempre perdidos em pensamentos ou eram exageradamente bondosos. E finalmente, alguns deles tinham momentos inesperados de crueldade, frieza e perda de humor.

Há duas outras observações sobre os auto-atualizadores: a primeira é que seus valores eram “naturais” e pareciam fluir sem esforço de suas personalidades. Em segundo lugar, eles pareciam transcender muitas das dicotomias que outros aceitavam como inquestionáveis, como por exemplo as diferenças entre espiritual e físico, ou entre egoísmo e o altruísmo, ou entre o masculino e o feminino.

Metanecessidades e metapatologias

Outro modo como Maslow abordou o problema de definir o que é a auto-realização foi falando sobre as necessidades especiais, também chamadas de metanecessidades (B-needs), que direcionam a vida dos auto-realizadores. Eis o que eles precisam em suas vidas para serem felizes:

DesejadosIndesejados
VerdadeDesonestidade
BelezaFeiúra ou vulgaridade
Unidade, completude, transcendência de opostosArbitrariedade ou escolhas forçadas
VitalidadeMorte ou mecanização da vida
SingularidadeUniformidade
Perfeição e necessidadeDescuido, inconsistência ou acidente
Justiça e ordemInjustiça e ausência de leis
SimplicidadeComplexidade desnecessária
RiquezaEmpobrecimento ambiental
Ausência de esforçoEsforço excessivo
Auto-suficiênciaDependência
SentidoAusência de sentido

À primeira vista, pode parecer óbvio que tudo mundo precisa disso. Mas vamos pensar: se você vive em dificuldades econômicas ou em meio a uma guerra, se você vive em condições miseráveis, você se preocupa mais com esses valores, ou em como conseguir comida ou um teto para passar a noite? De fato, Maslow acredita que muito do que está errado no mundo é devido ao fato de muito poucas pessoas estarem interessadas nesses valores – não porque sejam más pessoas, mas porque elas nem sequer conseguiram atender suas necessidades básicas.

Quando o auto-realizador não consegue satisfazer essas necessidades, ele desenvolve metapatologias – uma lista de problemas tão grande quanto a lista de metanecessidades! Vamos resumir dizendo que, quando forçado a viver sem esses valores, o auto-realizador desenvolve depressão, falta de esperança, desgosto, alienação e um certo grau de cinismo.

Maslow esperava que seus esforços em descrever as pessoas auto-realizadoras eventualmente levassem a uma “tabela periódica” dos tipos de qualidades, problemas, patologias e soluções características dos mais altos níveis do potencial humano. Com o tempo, ele dedicou atenção crescente não à sua própria teoria, mas à Psicologia Humanista e ao movimento dos potenciais humanos.

O modelo de hierarquia de necessidades foi desenvolvido entre 1943 e 1954, e sua primeira publicação extensiva ocorreu em 1954, no livro Motivação e Personalidade. Nessa época, o modelo de hierarquia de necessidades era composto de cinco níveis, esses que apresentamos aqui. Mais tarde, em seu livro Introdução à Psicologia do Ser (1962), que acabou por se tornar o mais popular, Maslow já apresentava uma noção mais ampliada das necessidades humanas e já incorporava elementos do que seriam a semente do pensamento transpessoal em Maslow, em especial a noção de transcendência. Estudiosos da obra de Maslow posteriormente refizeram a clássica pirâmide, que passou então a ter oito camadas:

Pirâmide de Necessidades de Maslow - 8 níveis

Pirâmide de Necessidades de Maslow - 8 níveis

No fim de sua vida, Maslow inaugurou o que ele chamou de Quarta Força em psicologia. O behaviorismo era a primeira força; A psicanálise freudiana e demais “psicologias profundas” constituíam a segunda; sua própria Psicologia Humanista, incluindo os existencialistas europeus era a terceira força. A Quarta Força é representada pela Psicologia Transpessoal que, buscando inspiração nas filosofias orientais, pesquisa assuntos como meditação, níveis superiores de consciência, e mesmo fenômenos parapsicológicos. Talvez o psicólogo transpessoal mais conhecido atualmente seja Ken Wilber, autor de livros como O Projeto Atman e Uma Breve História de Tudo.

Maslow depositava uma esperança otimista nessa nova corrente da psicologia. Vejamos suas próprias palavras, no Prefácio à segunda edição de “Introdução à Psicologia do Ser”:

Considero a Psicologia Humanista, ou Terceira Força em Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Psicologia ainda “mais elevada”, transpessoal, transumana, centrada mais no cosmo do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação e quejandos. [...] Esses novos avanços podem muito bem oferecer uma satisfação tangível, usável e efetiva do “idealismo frustrado” de muita gente entregue a um profundo desespero, especialmente os jovens. Essas Psicologias comportam a promessa de desenvolvimento de uma filosofia de vida, de um substituto da religião, de um sistema de valores e de um programa de vida cuja falta essas pessoas estão sentindo. Sem o transcendente e o transpessoal ficamos doentes, violentos e niilistas, ou então vazios de esperança e apáticos. Necessitamos de algo “maior do que somos”, que seja respeitado por nós próprios e a que nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não-eclesiástico [...]

Maslow não chegou a ver fundada a Associação de Psicologia Transpessoal (Association for Transpersonal Psychology), o que só ocorreu em 1972, dois anos após sua morte.

Links Externos

Associação de Psicologia Humanista (Association for Humanistic Psychology)

Revista de Psicologia Humanista (Journal of Humanistic Psychology)

Associação de Psicologia Transpessoal (Association for Transpersonal Psychology)

Revista de Psicologia Transpessoal (Journal of Transpersonal Psychology)

Referências Bibliográficas

A SCIENCE ODISSEY: Peoples and Discoveries: Abraham Maslow. Disponível em: . Acesso em: 4 abr. 2008.

BOEREE, C. G. Abraham Maslow. Disponível em: . Acesso em: 4 abr. 2008.

BUTLER-BOWDON, Tom. 50 Psychology Classics: Who We Are, How We Think, What We Do; Insight and Inspiration from 50 Key Books. London: Nicholas Brealey Publishing, 2007.

HOFFMAN, Edward. The right to be a human: a biography of Abraham Maslow. McGraw-Hill, 1999.

HUITT, William G. Maslow’s Hierarchy of Needs. Educational Psychology Interactive, Valdosta State University, Valdosta, GA, 2004. Disponível em: . Acesso em: 23 jun. 2008.

MASLOW, A. H. Introdução à Psicologia do Ser. 2.ed. Rio de Janeiro: Eldorado, s/d.

Por Alexandre Pedrassoli

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